Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos) Bernardo Soares, O livro do Desassossego


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domingo

Lá no fundo tinha-lhe apreço. Reconhecimento. De quando em vez até lhe achava simpatias. Agradinhos. Era tudo uma questão de humores. Satisfeitos.
Dizer que gostava, não, de todo e pensar em afeição sería mesmo um exagero.
Vivia-se. Comodamente.
Era por isso que a tinha pedido em casamento. Comodidade. Garantia de serviços prestados sem a parte dispendiosa do contrato.
Depois ela não devía nada à beleza. E a idade de casar fora-se.
A bem dizer fora um acto de caridade da sua parte pegar nela.
Depois havía também a solidão. Ía-se para velho. Ficar só e doente e sem mãos que lhe valessem sería uma tragédia. E também uma despesa. Tudo pela hora da morte.
De principio lá se sentía impelido a cumprir as obrigações de conjuge. À noite. Ao Sábado. Mas com o passar dos anos foi-se escapando aos poucos a esse martirio dele por cima e ela por baixo. O que gostava mesmo era de uma rapariga que andava na vida e que lhe permitía tudo, mexer em tudo, consolar-se com tudo.
Em casa era diferente. Tinha que se comportar. Ser homem. Ela não se queixava e para ele estava tudo certo.
Desde que as camisas estivessem lavadas e o prato de comida estivesse quente estava-se bem.
Vivia-se. Comodamente.
Por muitos anos que vivessem ela nunca conseguiría retribuír-lhe na mesma medida tanta gratidão.
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