Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos) Bernardo Soares, O livro do Desassossego


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quarta-feira

Estava tudo certo, tudo tão bem. Logo havía que vir com imposições. Um ultimatum. Se antes não tinha que escolher para quê agora essa coisa que todos os dias se interpunha como um muro entre eles e devassava a alegria, os risos, os olhares cúmplices, as fugas à hora marcada para o beijo roubado. Porque se fartara, explicava.
Porque não era mais uma brincadeira ou um jogo em que cada um se esconde e acha o outro, sublinhava.
Era daqui. E fechava a mão e batía no osso do peito até se ouvir.
Quería mais, sempre mais e a tempo inteiro. Contava com ele. A menos que para ele não fosse verdadeiro.
Que fosse um homem. Que assumisse. Que lhe desse a mão em frente aos outros, um beijo em público, que contasse à familia que amava outro de seu género.
Tudo isto agora.
Não bastava que o amasse, que o fizesse sentir na forma especial como lho dizía, como lho dizía tantas vezes no silêncio em que o observava de perfil.
Tudo isto para que outros soubessem. Que importam os outros. Não pode. Já explicou que não pode mas ele não quer ouvir. Só quer ouvir que o amor pode tudo e consegue tudo. Não é verdade.
Não é verdade.
É tão verdade não o ser que o vai perder. Já escolheu. Fez-lhe a vontade.